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Todo o marketing envolvendo a Reforma foi pautado em slogans como simplificaçãodesoneração da carga tributáriaredução de desigualdadesfim da guerra fiscal, dentre outros termos sedutores para se utilizar no segundo país que mais tributa empresas no mundo.

Vamos começar pela tal da simplificação.

A iniciar pelos tributos, de cinco incidentes sobre o consumo, passaremos a ter três: o ICMS e o ISS se transformam em um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o PIS e a COFINS serão unificados na Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o IPI será extinto e “em seu lugar” (entre muitas aspas) entrará o Imposto Seletivo (IS). No entanto, isso nem de perto simplifica o nosso sistema tributário, porque ainda existem diversos tributos relevantes, como o IOF, a CIDE, CPRB, IRPJ, CSLL, dentre outros, inclusive aqueles incidentes sobre a folha, como o INSS e Outras Entidades, que sequer foram alvo da reforma e são os que mais influenciam na geração de empregos no país. 

O texto da PEC 45/2019, nos termos em que aprovada, faz 58 menções à Lei Complementar. Isso significa dizer que pelo menos cinquenta e oito vezes a proposta de reforma está deixando a cargo de uma legislação que sequer existe (ou apresenta um texto prévio para análise) definir temas relevantes como instituição dos tributos, hipóteses de incidência, alíquotas e essas definições que pouco importam para implementação de uma reforma tributária séria e eficaz.

 Isso sem falar nos diversos termos que abrem brechas interpretativas no decorrer do texto da Emenda Constitucional proposta. Ou seja, ao invés de simplificar, utilizando-se dos pelo menos 25 anos de jurisprudência já consolidada dos Tribunais Superiores acerca de termos tributários, passamos a interpretar tudo do absoluto zero

Já pensou que teremos novas discussões a respeito do IBS e da CBS (e das demais alterações) que poderão levar mais de dez anos para serem solucionadas pelo STF e pelo STJ, como foi o caso do conceito da receita bruta para fins de inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS (“tese do século”) e o conceito de insumo para crédito de PIS e COFINS? Isso tudo custa muito dinheiro e quem irá bancar a conta, como sempre, seremos nós, Contribuintes!

Com a aprovação da Reforma Tributária, nos termos em que encaminhada para o Senado, a base tributária irá aumentar. Produtos que hoje não são tributados pelo ICMS ou pelo ISS passarão a ser tributados pelo IBS, tais como: locação de bens móveis e imóveis, serviços de streamings e toda a operação que envolva o consumo e cessões de direitos.

Além da ampliação da base de incidência da tributação, o aumento da carga tributária não para por aí! Ela se dará por diversas outras razões, uma delas é o ITCMD que passará a ter uma alíquota obrigatoriamente progressiva e o IPVA que também passará a contar com a progressividade de alíquota. 

Ainda contaremos com a criação do Imposto Seletivo, que passará a tributar tudo que o Estado (latu sensu) considerar “prejudicial à saúde”, poderá ter suas alíquotas alteradas por simples Decreto do Poder Executivo (e não por Lei Complementar), podendo compor a base de cálculo do IBS, CBS, ICMS e ISS – estes últimos durante o período de transição – além da possibilidade de ter a mesma base de cálculo de outros tributos. 

Neste ponto é importante ressaltar que dizer que a alteração pode ser dada via Decreto é o mesmo que dizer que ela pode ocorrer via Medida Provisória, que apesar de ser um instituto criado para situações emergenciais, sabemos que, na prática, sua utilização acaba sendo mitigada. Portanto, do dia para a noite, podemos ter novas alíquotas para tributos que influenciam diretamente nas operações das empresas, determinando, inclusive, a lucratividade destas, de forma a extirpar qualquer sinal de segurança jurídica que ainda temos, desincentivando ainda mais a atividade empresarial no país.

Ou seja, o novo Imposto Seletivo vai contra todos os princípios basilares do Direito Tributário.

 Além do Imposto Seletivo, outros tributos poderão ser atualizados por Decreto, podendo majorar a carga tributária sem necessidade de aprovação pelo Poder Legislativo, bastando um ato unilateral do Poder Executivo. São eles: Imposto sobre a Importação e Exportação, o IPTU, o IPI (enquanto vigente) e o Imposto Cambial. Acho que já tá ficando claro o maior beneficiário dessa história toda, não é mesmo?

Senão vejamos, as alíquotas do referido imposto ainda são desconhecidas, e, mesmo se aprovada a Reforma, serão variáveis, determinada por cada Estado/Município da Federação por Lei específica. Quando o Estado ou Município não tiver promulgado sua lei, a alíquota padrão será definida pelo Senado. Isso porque a tal da “alíquota única” de IBS será válida somente para o período de transição, enquanto os Estados e os Municípios ainda estiverem cobrando o ICMS e o ISS, respectivamente. Após o período de transição, as alíquotas de IBS passarão a ser definidas pelos critérios de cada Estado e de cada Município. 

E como isso fica na prática? Hipoteticamente, caso a alíquota nacional padrão for definida em um patamar de 25% (nenhum valor está definido no texto), cerca de 9% deste tributo será destinado para a União, 14% será destinado para o Estado onde o imposto é cobrado e 2% será destinado ao município onde a operação está sendo realizada. Caso o Estado do Paraná decida que não quer um percentual de 14%, mas sim de 19%, o contribuinte estabelecido no Estado do Paraná passará a pagar o IBS na alíquota de 30%, para equilibrar com a alíquota do Estado do Paraná. Ou seja, o caos continuará instaurado, porque cada Estado e cada Município continua autorizado a criar suas próprias alíquotas, majorando a carga tributária de acordo com a localização do Contribuinte.

E aí nos perguntamos: onde está a simplificação? Ainda teremos complexidade, exceções e regras distintas. Sem falar em uma bem provável Guerra Fiscal invertida, uma vez que ao invés de as empresas buscarem o melhor local para instalar suas operações, os Consumidores passarão a buscar o melhor local para viver.

Já em relação aos benefícios fiscais de ICMS, estes vão ser extintos assim que aprovada a Deforma, e antes mesmo do fim da cobrança do próprio ICMS, que ocorrerá somente em 2032. É que conforme dito anteriormente, a ideia do novo sistema tributário proposto é deslocar a cobrança do tributo na “origem” para o “destino”, acabando com a lógica dos Estados atraírem investimentos através de concessões de incentivos tributários.

E o saldo credor de ICMS dos contribuintes?  O saldo destes créditos deverá ser informado pelos Estados e Distrito Federal ao Conselho Federativo do IBS para que seja compensado pelo prazo remanescente, no caso de créditos de ativo permanente, e, em 240 meses para os demais casos, nos termos da Lei Complementar (ainda não editada), em uma espécie de “meu ICMS, minha vida”.

Em razão da Lei Complementar ainda não ter proposta de redação, nem especulações, este ponto ainda é nebuloso na Reforma, o que vai gerar dificuldade para as empresas planejarem o recebimento dos créditos que têm direito. O final dessa história nós já conhecemos e provavelmente acabará com os Contribuintes precisando recorrer ao Poder Judiciário

Sobre os créditos remanescentes de PIS, COFINS e IPI, não há previsão sobre como se dará a compensação ou restituição destes, nem sequer uma menção a ser definida em Lei Complementar. 

Como visto, os benefícios fiscais serão extintos, mas depende, porque existirão “benefícios regionais” e o texto ainda prevê hipóteses de não incidência, imunidade, regimes específicos, diferenciados ou favorecidos.

Além disso, a proposta de Deforma, nos termos em que enviada para o Senado, fere o princípio constitucional do Pacto Federativo, o qual garante a igualdade, autonomia e independência dos Entes Federados, uma vez que aumenta a competência tributária da União, reduzindo, consequentemente, a dos Estados e Municípios. 

Apesar de se falar na distribuição dos recursos arrecadados, a simples distribuição não garante a autoadministração dos Entes, uma vez que esta exige competência tributária própria para instituir tributos, regulá-los, e, inclusive, conceder benefícios fiscais sobre eles, conforme falamos anteriormente, os Entes Federados (leia-se: Estados e Municípios) vão perder sua capacidade de autogerenciamento, uma vez que não poderão gerir as receitas tributárias, já que extirpada suas competências do texto constitucional, ficando à mercê das decisões tomadas pela União nesta seara.

Todo o exposto corrobora ainda mais o fato desta Proposta de Emenda Constitucional ser consubstanciada em inconstitucionalidades, e, caso assim não o fosse ou se o objetivo final não fosse aumentar a arrecadação, onerando a cadeia produtiva e o consumidor final, o governo não precisaria ter investido quase 8 bilhões de reais em “empurrões” para os deputados aprovassem o texto da PEC 45/2019 na calada da noite.

Se aprovada nos termos em que se encontra, a Reforma Tributária não apresentará uma não cumulatividade plena, existindo previsão de exceções ao crédito de IBS e CBS. Sem falar que existe a mesma brecha que causou o caos na não-cumulatividade do ICMS: o imposto será não cumulativo nos termos “a ser definido em Lei Complementar”.

Somado a isso, a substituição tributária continua sendo permitida pela Reforma, mesmo após a instituição do IBS e da CBS, uma vez que a norma do art. 150, §7º, que assim autoriza tal mecanismo (principal problema do ICMS) continuará vigente no sistema.

Ou seja, todo esse alvoroço que está acontecendo ao redor do IBS e da CBS é um prato cheio para que se torne tudo mais do mesmo, com todas as restrições ao crédito (ou cashback, como preferirem chamar), tornando-os cumulativos no início da cadeia produtiva, onerando excessivamente os adquirentes, que terão que trabalhar com maior capital de giro. 

Com tudo isso, o agronegócio será um dos setores mais afetados, subindo diretamente o preço do alimento para o consumidor final, apesar da “alíquota zero da cesta básica” que hoje já é realidade na maioria absoluta, para não dizer na totalidade, do território nacional. É que todos os benefícios fiscais das etapas de produção anteriores à chegada dos produtos no consumidor final serão extirpados do sistema, deixando a operação significativamente mais onerosa, o que consequentemente aumentará o preço final do produto, independentemente da alíquota zero na etapa final. Isso sem falar na discussão que vai ser gerada acerca do Imposto Seletivo, defensivos agrícolas e o suposto “impacto ao meio ambiente” ...

Seguindo o agronegócio, o setor de serviços também será um grande afetado por esta Deforma que está sendo apreciada. Isso porque ao invés de recolher alíquotas de ISS que variavam entre 2 e 5%, se o texto for aprovado, passarão a recolher o IBS com valores desconhecidos, mas com patamares muito superiores. 

Além destes setores, o sistema tributário como um todo será afetado negativamente. Isso porque a Reforma proposta é defeituosa e mais amplia os problemas tributários do país do que soluciona problemas. A saída proposta pela PEC 45/2019 é onerar os Contribuintes, mascarando o aumento da carga tributária como uma revolução simplificadora cheia de contrapartidas e cashbacks, que, na prática, sabemos que serão créditos quase impossíveis de serem recuperados, seja por falta de sistema, seja por falta de expertise tributária do próprio contribuinte, já que o sistema não vai ser simplificado!!

Além da problemática dos créditos que não terão estorno, nada se falou sobre os créditos de IBS e CBS sobre a folha de pagamentos. O INSS é o tributo que mais impacta no fator contratação e geração de emprego no país e ficou de fora da tal reforma tributária revolucionária. Como acreditar em uma reforma que não aborda um tema tão importante para o desenvolvimento? Ou, pior, ignora completamente princípios basilares que dão segurança ao empresário (e ao investidor estrangeiro) para desenvolver atividades econômicas no país?

Isso tudo sem falar no prazo de transição estabelecido: para os contribuintes será de 8 anos e para os Entes Federados o prazo será de 50 anos. 

O período de transição na nossa singela opinião é a parte mais cômica e que deixa ainda mais em evidência tudo que pode dar errado nesta Reforma. Em primeiro lugar porque se estabeleceu que em 2026 se cobrará uma alíquota de 0,1% de IBS e 0,9% de CBS, em uma espécie de test drive com o Contribuinte, a fim do próprio governo poder entender o quanto cobrar destes novos tributos (enquanto não deixa de arrecadar com o ICMS, ISS, PIS e COFINS). 

Outro ponto, não menos importante, é o caos que esse período de transição vai causar, tanto para as empresas, quanto para os consumidores. O que era para simplificar, está vindo para complicar, e muito mais! Além de cumprir as leis antigas, o contribuinte precisa estar ciente das novas legislações, que, como vimos, não serão poucas, além de estar atento aos prazos, requisitos e obrigações acessórias para a transição. Tudo isso em um curto período de oito anos .


Texto extraído do post de Milena Bastos

site: https://www.roit.com.br

 

 

 

 

 

 

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